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Como fica a saúde mental em cenário de desastre?

    Como fica a saúde mental de quem está vivendo esse momento tão complicado no RS? Tanto aquelas pessoas que foram diretamente afetadas pelas enchentes, quanto quem está prestando ajuda a essa população, apresenta riscos maiores para sofrimento mental em curto, médio e a longo prazo.

    Mas, será que tem como cuidar da saúde mental em um cenário de desastre como esse? É importante falarmos sobre isso, principalmente porque, pessoas que não são da área da saúde também podem ajudar com a saúde mental das vítimas, com acolhimento, escuta ativa e outras atitudes simples. Vem ler mais aqui.

    O que pode acontecer com a saúde mental das vítimas?


    Quando profissionais ou voluntários estão auxiliando pessoas e famílias nesse primeiro cuidado, o apoio à saúde mental entra na forma de escutar, validar e acolher o que aquelas pessoas estão sentindo. Nesse tipo de cenário, uma grande variedade de respostas psicológicas podem ser geradas nas vítimas, em curto, médio e a longo prazo.


    É natural que em um primeiro momento, haja sentimento de medo intenso e constante, além de ansiedade, raiva, frustração, tristeza, mudanças no humor, no apetite, no sono e em outras questões. A sensação de instabilidade e insegurança nesse momento é muito grande. É natural que as pessoas tenham pesadelos ou que elas sintam como se estivessem revivendo aquilo de novo e de novo, mesmo estando acordadas. É comum que essa sensação de falta de esperança no futuro ou das coisas se resolverem, se amplifique agora.


    Sabe-se que, dependendo dos recursos e das diferenças individuais de cada um, muitas dessas pessoas vão se recuperar naturalmente ao longo do tempo, conforme a vida for se reorganizando de novo. Outras, podem apresentar quadros mais crônicos, sendo comum quadros de estresse pós-traumático (EPT). Esse quadro envolve ansiedade mais intensa e por período de tempo prolongado, além de revivência muito constante da situação traumática, mesmo que ela já tenha se concluído. Os sintomas envolvem mudanças no humor, estados de hipervigilância, apreensão e medo constante sobre o futuro. Quadros e sintomas depressivos associados, também podem ser comuns.


    Pessoas que já apresentavam alguma condição de saúde mental prévia, crianças e adultos neurodivergentes, pessoas com histórico de abuso de substâncias e álcool, ou de violência prévia, estão dentro de um contexto de maior vulnerabilidade e possuem mais risco de desenvolver quadros mentais crônicos. Pessoas que já passaram por situações traumáticas antes, tanto com exposição semelhantes, assim como outros tipos de experiências traumáticas da mais variáveis possíveis, também estão mais vulneráveis à cronificação dos sintomas. Crianças e idosos podem ser especialmente vulneráveis para o desenvolvimento de sintomas psicológicos a médio e a longo prazo após eventos estressores.


    Como abordar uma pessoa em crise?
 

    Os Primeiros Socorros Psicológicos das vítimas podem ser realizados por qualquer pessoa. Mesmo quem não é da área da saúde pode ajudar. Claro que em casos mais complexos, a intervenção precisa ser feita por um profissional de saúde. Mas, indivíduos sem formação específica também podem contribuir de maneira significativa, ajudando na distribuição de recursos, dando apoio emocional e sendo ouvintes atentos. É de suma importância que as vítimas tenham algum espaço para expressar o que sentem e o que estão pensando nesse momento. É muito importante que se sintam acolhidas e não se sintam sozinhas.


    É importante não ficar fazendo perguntas ou pedindo para a pessoa contar como aconteceu ou o que aconteceu. Esse é o momento de escutar o que ela(e) tem para dizer, e respeitar o que ela(e) está disposta(o) a dizer. Ouvir sem insistir, respeitando o tempo do outro. É momento de olhar no olho, gesticular com a cabeça e de se mostrar atento. Mostrar que está interessado(a) e tomar muito cuidado com qualquer expressão ou frase que possa fazer algum julgamento sobre o que a pessoa está dizendo. A gente não sabe realmente o que as pessoas viveram, a gente não sabe como essas pessoas estão se sentindo. Então não julgue. Também não diga frases como “aconteceu comigo semelhante, foi de tal jeito”. Não é hora de falar muito, é hora de focar no que aquela pessoa está dizendo. Uma dica é falar coisas como “sinto muito que aconteceu contigo”. “Imagino como deve estar doendo.” “A sua perda é importante.” 

 

    Cuidado com frases como “pelo menos você está vivo, a gente precisa agradecer por estarmos vivos”, ou “você precisa ser forte” e outras variações dessas, que podem desencorajar a pessoa de falar. Falas como essa podem trazer constrangimento para vítima ou invalidar o que ela(e) está sentindo. 

 

    Cada pessoa expressa o sofrimento psíquico de uma maneira individual e única. Vão existir vítimas que não querem ou não conseguem falar sobre o assunto, outras que vão querer desabafar. Em situações de estresse agudo, perdas e traumas podem gerar reações adversas, como não conseguir falar, estado de choque, negação, sintomas físicos, entre outros. O importante é não patologizar (transformar em doença) nenhuma dessas reações. São reações psicológicas diante de uma catástrofe e tais são esperadas.

 

    Manter uma postura acolhedora, disponível e livre de julgamentos é o mais importante em um momento de crise. Uma abertura verdadeira para escutar e disponibilidade emocional para ouvir sobre a dor que aquela pessoa está sentindo, é o melhor que você pode oferecer nesse momento. 


    Primeiros Socorros Psicológicos

    Para ajudar no primeiro contato com as vítimas de uma catástrofe, a OMS criou o Manual de Primeiros Socorros Psicológicos (PSP). Esse, abrange uma infinidade de situações, desde desastres naturais e atentados em comunidades, acidentes, perda de entes queridos, violência, até crises individuais. 


    O primeiro apoio a ser prestado é o prático: garantir que as pessoas estão abrigadas, aquecidas, com acesso à água, alimentos, acesso a medicações e/ou assistência médica, entre outras necessidades. Após o primeiro momento, os PSP recomenda escutar as pessoas mas sem pressioná-las a falar, além de confortá-las e ajudá-las a se sentirem calmas; ajudá-las na busca de informações, serviços e suportes sociais; e proteger as pessoas de danos adicionais e outras propostas.


    Os PSP seguem sempre cinco princípios básicos, que devemos ter em mente quando estamos diante de alguém em sofrimento psíquico.

  • Segurança: este princípio fala de duas seguranças. A primeira delas é a sua própria. Para ajudar os outros, tenha certeza de que você e sua família estão em segurança. Em segundo lugar, ajude o outro a se sentir seguro e garanta que o ambiente a sua volta seja seguro.

  • Calma: quando estamos diante de alguém em situação de crise, essa pessoa está experimentando medo, ansiedade, desorganização, confusão, e outros sentimentos intensos. Nós devemos agir com calma e promover um senso de calma.

  • Conexão: pessoas em crise precisam de orientação de onde buscar ajuda e se apoiar em pessoas que confie. Então, ajude a fazer as conexões necessárias, seja buscando familiares e amigos, pessoas de confiança, seja ajudando a encontrar os recursos necessários para auxílio, tais como grupos de apoio, rede de saúde, etc. Lembre-se, ninguém é super-herói sozinho, quanto mais conexões com a rede de apoio melhor.

  • Senso de autoeficácia e eficácia comunitária: em uma situação de crise, as pessoas se sentem vulneráveis. Mas não devemos tirar a autonomia nem o senso de auto-eficácia delas. Ajude as pessoas a usar suas próprias forças (todos tem suas qualidades), a aprender novas estratégias para enfrentar sua situação e a reconstruir seu caminho dentro da própria comunidade.

  • Esperança: ajude a pessoa a se engajar com proatividade em atividades construtivas e promova expectativas positivas quanto ao que vai acontecer na próxima hora, dia ou semanas.

​    Coisas para dizer e fazer:

  • Tentar encontrar um lugar silencioso para conversar.

  • Respeite a privacidade e a confidencialidade da história da pessoa, conforme apropriado.

  • Esteja perto, mas mantenha uma distância apropriada de acordo com a idade, gênero e a cultura da pessoa.

  • Mostre que você está ouvindo.

  • Seja paciente e calmo.

  • Forneça informações se você as tiver. Seja honesto(a) sobre o que você sabe ou não sabe. “Eu não sei, mas eu vou me informar sobre isso para você”.

  • Forneça informações de modo que a pessoa entenda - fale de maneira simples.

  • Reconheça e preste atenção em como elas estão se sentindo e quaisquer perdas ou eventos importantes que te contarem, tais como a perda da casa, ou da morte de um ente querido. “Eu lamento pelo que houve. Posso imaginar o quão triste isso é para você.

  • Reconheça os esforços da pessoa e como eles ajudaram.

  • Permita o silêncio.

  • Respeite o direito das pessoas de decidirem por si mesmas.

  • Esteja atento sobre suas preferências e preconceitos e coloque-os de lado.

  • Deixe claro para as pessoas que mesmo que elas não queiram ajuda agora, elas poderão recebê-la posteriormente.


    Coisas para não dizer e não fazer:

  • Não pressione alguém para te contar sua história pessoal.

  • Não interrompa ou apresse a história de alguém (por exemplo não olhe muito no relógio ou celular, não fale muito rapidamente).

  • Não toque a pessoa se você não tiver certeza de que é apropriado fazê-lo.

  • Não julgue o que elas fizeram ou não fizeram ou como estão se sentindo. Não diga “você deveria se sentir assim” ou “você deveria se sentir sortudo por ter sobrevivido”

  • Não invente coisas que você não sabe. Não faça falsas promessas ou forneça falsas informações.

  • Não use termos muito técnicos.

  • Não conte a elas história de outras pessoas ou suas próprias histórias.

  • Não fale sobre seus próprios problemas.

  • Não pense ou aja como se você devesse resolver todos os problemas da pessoa no lugar dela.

  • Não menospreze os esforços das pessoas e seu senso de capacidade de cuidar delas mesmas..

  • Não fale sobre a pessoa utilizando termos negativos (por exemplo, não os chame de “loucos” ou “malucos”). .

  • Não force as pessoas a receberem ajuda e não seja invasivo ou agressivo.

Se você conhece alguém do RS, ou conhece alguém que está no RS ajudando com as enchentes, compartilhar esse material pode ser muito útil na vida de alguém.

Referências bibliográficas Primeiros Cuidados Psicológicos: guia para trabalhadores de campo; Psychological first aid: Guide for field workers. Organização Mundial da Saúde, 2011.

RS: como cuidar da saúde mental em meio à tragédia - Café da Manhã com Folha.

Por Giovana E. Ribeiro

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